Montanhismo e a Rádio Comunicação

A prática de atividades montanhistas de diversas modalidades, exige do praticante uma infinidade de conhecimentos técnicos e equipamentos. O ambiente da montanha é muito atrativo, bonito, mas como um “canto da sereia” pode seduzir, conduzir, e levar o montanhista a consequências graves, bem como o seu grupo, caso eles não estejam preparados e devidamente equipados.

Para os montanhistas que realizam travessias, trekking e hiking na atualidade, um equipamento se destaca. É o rádio comunicador ou transceptor.

O uso do rádio traz segurança para quem está quilômetros mato adentro, em ambientes inóspitos, haja vista que nesses lugares frequentemente nem sequer tem sinal de celular, de maneira que o rádio é uma forma de suprir o contato entre pessoas do mesmo grupo, com mais de um rádio, ou com alguém da comunidade que porventura também possui e faz uso de rádio comunicador.

 O rádio comunicador, tecnicamente é chamado de transceptor. Transceptor, porque o rádio transmite e recebe ondas de rádio, na forma de mensagens faladas, de voz. Fulano pega o rádio aperta o botão de transmissão PTT no aparelho, por voz fala a mensagem, e ela é transmitida. Do outro lado, beltrano está com seu aparelho de rádio ligado, sintonizado em uma frequência, e recebe aquelas mensagens de voz transmitidas. Da mesma forma beltrano pode responder fulano. Como exemplo, citamos os aparelhos de rádios que vemos seguranças de shopping utilizando para comunicarem entre si. Trata-se de um transceptor. Já, o aparelho de rádio que aquele tio mais velho utiliza para ouvir o jogo de seu time de futebol ou música, é um receptor. Só receptor, pois ele somente recebe as ondas de rádio, no caso o áudio do jogo, ou música, mas não emite nada.

Rádio transceptor, é o aparelho de rádio que emite e recebe mensagens de voz ou dados. Aqueles utilizados por seguranças de shopping, por exemplo.

Rádio receptor, é o aparelho que só recebe mensagens de voz, música, narração de um jogo esportivo. São os aparelhos de rádios “comuns” que temos em casa para ouvir música.

Os rádios que os montanhistas frequentemente usam são rádios transceptores portáteis. Esses aparelhos são classificados, pela Agência Nacional de Telecomunicação – ANATEL, como portátil porque podem ser carregados junto a si, consigo mesmo, preso na cintura, ou na mochila. Ele é portátil. Esses rádios são também popularmente conhecidos por “rádios HT”. A palavra HT é o acrônimo das palavras inglesas Hand Talk. Então “rádios hand talk”, em uma tradução aproximada, seria “rádios manuais para conversa”, ou “rádio de mão” para conversa. Esses rádios transceptores portáteis, de mão, HT, também são classificados como rádios móveis, pois devido seu tamanho pequeno, podem ser levados consigo permitindo a operação do rádio durante o deslocamento de quem está portando o aparelho. Existem outros rádios que se enquadram em outras classificações, tais como rádios base fixos.

Atualmente, com o crescimento e desenvolvimento da indústria chinesa de eletroeletrônica, muitos fabricantes de rádios transceptores de comunicação surgiram na China, de maneira que o mercado mundial foi inundado de diversas marcas e modelos de rádios chineses. Até então predominava os fabricantes japoneses e estadunidenses.

Um rádio transceptor chinês pode ser comprado, atualmente, a partir de R$150,00 – cento e cinquenta reais – nos grandes centros urbanos ou nos marketplaces da internet. Anteriormente só se conseguia comprar rádios transceptores estadunidenses e japoneses, em lojas físicas nacionais e em empresas autorizadas e especializadas em rádio comunicação que custam a partir de R$ 1.500,00 – Um mil e quinhentos reais. Logo percebe-se a diferença enorme dos preços dos rádios chineses para os tradicionais rádios estadunidenses e japoneses que há décadas são utilizados em todo mundo.

Com o crescimento da prática das atividades nas montanhas nos últimos anos, sobretudo da modalidade de trekking e hiking em grupo, associado à facilidade de compra de uma determinada marca de um rádio chinês, observou-se que esses cidadãos estão fazendo uso de aparelhos de rádio transceptor portátil, HT, aquele que transmite e recebe mensagens de voz, para comunicar com integrantes do grupo. Ocorre que o uso de rádios transceptores são regulamentados por lei federal e por meio de normas, portarias, resoluções, e atos da ANATEL.

A maioria desses rádios transceptores, HT’s, que atualmente vem sendo utilizados pelos montanhistas em geral são rádios que operam em faixas de frequências destinadas e reservadas por lei e normas ao Serviço de Radioamador. Radioamador é a pessoa, amadora, que fala no rádio, que tem habilitação expedida pela ANATEL para operar rádios, nas frequências reservadas e destinadas ao Serviço de Radioamador. Vinte e oito faixas de frequências são reservadas para uso exclusivo de radioamadores. Todo aquele montanhista que estiver utilizando um rádio em qualquer uma das vinte oito faixas destinadas ao serviço de radioamador, sem ter habilitação para tanto, está fazendo uso clandestino e ilegal do rádio e da faixa de frequência. O que se tem visto é que esses montanhistas, leigos, frequentemente adquirem rádios que operam nas faixas de 144,00 a 148,00 MHz e 430,00 a 440,00 MHz, sendo que essas faixas são de uso exclusivo de radioamadores.

 Para operar nessas faixas de frequências o pretenso usuário do rádio, o montanhista que necessita utilizar o aparelho para transmitir e aquele outro pretenso usuário montanhista que pretende utilizar o aparelho para receber a mensagem de voz, ambos precisam de uma habilitação e licença outorgada para operar o rádio nestas faixas de frequências, além de ter quitado os tributos para fazerem uso da frequência. Esse regramento basicamente está previsto na lei de organização dos serviços de telecomunicações, lei 9.472/1997¹, e atualmente nas resoluções 449/2006² e 697/20188 da ANATEL, bem como outras normas. Assim todo montanhista, bem como todo cidadão, ainda que leigos, mesmo agindo de boa-fé, que adquirirem e fizerem uso de rádios comunicadores e não possuírem a habilitação necessária, estão fazendo uso ilícito e clandestino do rádio. Portanto muitas pessoas que estão utilizando esses rádios, quer praticando alguma atividade nas montanhas, quer praticando outras atividades recreativas, estão agindo de forma ilegal e em alguns casos estão até mesmo incorrendo em crime de telecomunicação, conforme artigo 183 da Lei nº 9.472/19971, que corresponde ao ato de desenvolver atividades clandestinas de telecomunicação, prescrevendo detenção de 02 a 04 anos, aumentada da metade se houver danos a terceiros e multa; ou ainda o crime previsto no artigo 70 da lei 4.117/19626, que corresponde ao ato de instalação e utilização de telecomunicações, prescrevendo pena de detenção de 01 a 02 anos. Veja abaixo a ementa de uma decisão de condenação criminal por uso de rádio sem autorização do órgão competente, no caso a ANATEL:

PENAL. CRIME DE TELECOMUNICAÇÕES. LEI N.º 9.472/1997, ARTIGO 183. RÁDIO AMADOR. OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER COMPETENTE. UTILIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE DESCAMINHO. INEXISTÊNCIA DE CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DAS PENAS.

1. A utilização de aparelhos de rádio amador, sem autorização do poder competente, configura o crime previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997.

2. Se o crime previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 foi praticado para facilitar ou assegurar a execução do crime tipificado no artigo 334 do Código Penal, não há falar em consunção; longe disso, tal circunstância enseja o agravamento da pena, nos termos do artigo 61, inciso II, alínea “b”, do Código Penal.

3. A operação de rádio amadores sem autorização do poder competente é crime que não enseja a aplicação do princípio da insignificância, máxime se não se tratar de equipamentos com potência ínfima. Precedente do tribunal.

4. Comprovadas a materialidade e a autoria do crime previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997, é imperiosa a condenação dos réus.

5. Recurso ministerial provido.

(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR 0004377-16.2009.4.03.6002, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 30/10/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/11/2012)7

A habilitação referida acima, habilitação para operar rádios nas frequências destinadas a radioamadores, se chama COER – Certificado de Operador de Estação de Radioamador. O COER é a habilitação que autoriza seu titular a operar rádios nas frequências dos radioamadores, bem como a obter autorização para executar serviços de radioamador. Para obter o COER é necessário realizar um exame, uma prova, junto à ANATEL, em que é aplicado testes de Técnica e Ética Operacional, e Legislação de Telecomunicações. Quando o cidadão obtém o COER ele se torna um radioamador, com registro na ANATEL.

Mas não basta somente o COER. Uma vez sendo aprovado no exame, e obtido o COER junto a ANATEL, para operar rádios transceptores é necessário requerer uma licença para funcionamento de estação, do rádio transceptor, que no caso é chamado de estação, para que o cidadão, o montanhista, possa utilizar rádio transceptor.

Ainda, o rádio precisa ser homologado pela ANATEL para que se possa fazer uso dele. O cidadão que estiver portando o aparelho de rádio e for abordado por uma autoridade policial, se não estiver legalizado, poderá ser conduzido a uma delegacia de polícia para prestar esclarecimentos, momento que poderá ser instaurado um inquérito policial. A maioria dos usuários desses rádios transceptores, que estão praticando atividades nas montanhas, por não terem nenhum conhecimento sobre as normas e leis que disciplinam o uso dos rádios, estão agindo de forma ilegal. Não fazem por mal, mas por serem totalmente leigos!

Portanto o montanhista, e todo aquele que pratica alguma atividade ligada à montanha, trekking, travessias, que necessite utilizar um rádio comunicador quando ele estiver quilômetros mato adentro, terá que tirar o COER e sua licença se tornando radioamador? Não necessariamente! Dependerá do tipo de rádio que ele deseja utilizar!

A ANATEL reservou duas faixas de frequências para que o cidadão, que de alguma forma precise utilizar um rádio comunicador, possa fazê-lo sem a necessidade de tirar habilitação e licença, conforme as resoluções 680/2017³, 73/19984 e ato 14.448/20175. Essas faixas de frequências a ANATEL definiu como Faixa de Frequência de Uso Geral, e elas compreendem as faixas de 462,53 MHz a 462,74 MHz, e 467,53 a 467,74 MHz, sendo que os rádios projetados para operar nessas faixas devem ter no máximo 500 mW de potência. Normalmente esses rádios possuem suas frequências divididas e alocadas em canais de comunicação, numerados do canal 01 ao canal 26. Há rádios com menos canais. Assim, os rádios fabricados exclusivamente com essas características podem ser adquiridos e operados por qualquer cidadão, sem a necessidade de habilitação e licença. No entanto, esses rádios são bastantes limitados, seu alcance é bem menor que os rádios transceptores dedicados aos radioamadores. Normalmente os rádios HT dos radioamadores costumam ter potência de 5w, 10 vezes maior que a potência dos rádios de uso geral, que é de 500 mW.

Para fazer uso do rádio, se o cidadão ou montanhista não possui por conta própria conhecimento das normas legais e técnicas de uso de rádios transceptores é recomendado que ele procure os profissionais habilitados, que podem ser desde um engenheiro a um advogado que detenham conhecimento de telecomunicações, para lhe assessorar. A Liga Brasileira dos Radioamadores – LABRE – é o órgão oficial coordenador do radioamadorismo no Brasil. A LABRE Nacional é sediada em Brasília, e cada Estado do país possui uma LABRE estadual.

Assim, se você pratica alguma modalidade de montanhismo, e precisa fazer uso de um rádio transceptor portátil, se informe sobre as características técnicas do aparelho de rádio que está adquirindo. Se as faixas de frequências e potência que o aparelho opera exigem habilitação e expedição de licença de uso da frequência, bem como se o aparelho está homologado. Qualquer irregularidade quanto os requisitos citados pode configurar uso clandestino do rádio, punível com condenação criminal e multas.

O presente artigo tem apenas caráter elucidativo, cabendo aos interessados em fazer uso de radiocomunicadores consultar os órgãos competentes sobre a forma de uso, viabilidade, e legalidade dos aparelhos e faixas de frequências que pretendem utilizar, bem como se atentarem para as normas emitidas pela ANATEL haja vista que elas sempre sofrem modificações.

Belo Horizonte, 16 de novembro de 2021.

Franklin Frampton Robespierre Hidalgo da Silva – Montanhista, Técnico em Eletrônica, Técnico em Telecomunicações, Radioamador e Advogado OABMG 134.951.

[1]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm

[2]https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/21-2006/93-resolucao-449

[3]https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2017/936-resolucao-680

[4]https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/1998/34-resolucao-73

[5]https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/atos-de-certificacao-de-produtos/2017/1139-ato-14448

[6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4117compilada.htm

[7]http://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/2754559

[8]https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2018/1157-resolucao-697